Segundo o embaixador, a China defende a proteção da segurança de dados de todas as nações
O governo americano está coagindo países como o Brasil a sacrificarem seus próprios interesses ao vetarem a Huawei da rede 5G com o objetivo de “preservar o monopólio e a hegemonia dos EUA no campo da ciência e tecnologia”, afirma o embaixador da China no país, Yang Wanming.
Em entrevista por email ao jornal Folha de S.Paulo, o diplomata criticou a campanha de Washington contra empresas chinesas e negou que as companhias de seu país compartilhem os dados com o governo de Pequim.
“Certos políticos norte-americanos forjam mentiras sobre uma suposta espionagem cibernética chinesa para confundir e coagir outras nações a sacrificarem seus próprios interesses e criarem barreiras ao avanço de países em desenvolvimento na alta tecnologia”, diz Yang.
Segundo o embaixador, a China defende a proteção da segurança de dados de todas as nações, “diferentemente de certos países que gritam ‘pega ladrão’ enquanto agem como ladrões”.
Yang já se envolveu em mais de um bate-boca com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) pelas redes sociais. Tanto o congressista quanto seu pai, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), são críticos do regime chinês e apoiadores do americano Donald Trump, que deu início a uma guerra comercial contra Pequim.
Apesar disso, o diplomata chinês adotou uma posição conciliadora durante a entrevista. Indagado sobre possíveis retaliações econômicas contra o Brasil no caso de veto à Huawei, Yang disse apenas acreditar que Brasília vai respeitar as regras de mercado e que não vai tomar ações discriminatórias.
O embaixador, porém, não respondeu a algumas das questões enviadas pela reportagem, incluindo perguntas sobre as críticas que o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, já fez ao governo chinês.
Em relação às denúncias internacionais sobre repressão à minoria muçulmana uigur em Xinjiang (região no noroeste da China), o diplomata afirmou que são “mentiras fabricadas” por políticos americanos.
Pergunta – Por que seria do interesse do Brasil não barrar a Huawei de sua infraestrutura 5G? De que forma isso seria benéfico para os consumidores e para as operadoras de telefonia brasileiros?
Yang Wanming – A tecnologia 5G é uma importante alavanca para a inovação tecnológica e atualização industrial, além de ser essencial para aumentar a competitividade nacional. É crucial, para qualquer país, a escolha de equipamentos de 5G avançados, seguros e de ótimo custo-benefício. A Huawei, que é o maior fornecedor mundial de equipamentos de telecomunicação e líder no 5G, oferece produtos competitivos. As soluções 5G da Huawei estão, pelo menos, um a dois anos à frente das de seus concorrentes.
No que diz respeito à confiabilidade, a Huawei construiu mais de 1.500 redes de telecomunicações no Brasil e em outros 170 países e territórios, atendendo a mais de um terço da população global, e não teve, sequer, um único incidente de segurança cibernética. Aliás, nenhum país consegue apresentar prova que indique a existência de uma suposta “backdoor” [espécie de saída nos equipamentos que, supostamente, permitiria acesso completo aos dados trafegados pela rede] em produtos da empresa.
Com 22 anos de atuação no Brasil, a Huawei criou mais de 16 mil postos de trabalho, mantém boa cooperação com nada menos de 500 empresas brasileiras e fornece equipamentos a quase metade das redes de telecomunicação e 40% da rede de base do país, atendendo a 95% da população brasileira. Seus produtos e serviços são altamente reconhecidos pelo mercado.
Segundo os cálculos da Feninfra (Federação Nacional de Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática), banir a Huawei demandaria um custo adicional de R$ 100 bilhões, atrasaria a implementação do 5G por três anos e causaria perda de 2,2 milhões de empregos.
Como a China pode garantir que não haverá compartilhamento de dados entre a Huawei e o governo chinês, se a legislação da China prevê isso?
YW – A Huawei é apenas um fabricante de equipamentos e não trabalha com serviços de informação. É como a relação entre a estrada e o carro. A Huawei construiria apenas as estradas e não teria como saber que carros circulariam nessas estradas e quem transportariam.
Evidentemente, é legítimo que os países se preocupem com a segurança cibernética. No entanto, os critérios sobre a confiabilidade dos equipamentos do 5G devem se basear em fatos, testes e regulamentações. O governo chinês segue à risca os princípios sobre a proteção da segurança de dados. Nunca exigiu e jamais exigirá que as empresas da China forneçam dados obtidos fora das fronteiras, violando a legislação de outros países.
Além disso, defendemos uma melhor governança global do ciberespaço, com regras abertas e transparentes para uma proteção efetiva da segurança de dados de todas as nações, diferentemente de certos países que gritam “pega ladrão” enquanto agem como ladrões, além de se ocuparem em fabricar difamações. A China propôs a Iniciativa Global sobre Segurança de Dados, que se opõe ao uso da tecnologia de informação para roubar dados essenciais e prejudicar a privacidade individual. A Iniciativa também é contra o abuso dessa tecnologia na vigilância em massa de outros países e veta qualquer dispositivo de backdoors em produtos e serviços.
A Huawei também se colocou à disposição dos países parceiros para assinar acordos contra backdoors, além de estabelecer centros de avaliação de segurança cibernética em qualquer lugar. Creio que a Huawei, com abertura e transparência, está pronta para dialogar com todos os setores do Brasil e encontrar maneiras de atender às preocupações brasileiras através de testes ou acordos.
Certos políticos norte-americanos forjam mentiras sobre uma suposta espionagem cibernética chinesa para confundir e coagir outras nações a sacrificarem seus próprios interesses e criarem barreiras ao avanço de países em desenvolvimento na alta tecnologia. O seu objetivo é preservar o monopólio e a hegemonia dos Estados Unidos no campo da ciência e tecnologia.
A comunidade internacional está ciente dessas intenções escusas. Portanto, são poucos os governos que vetaram publicamente a tecnologia chinesa do 5G [Austrália, Nova Zelândia, Japão, Taiwan e os EUA vetaram a Huawei e irão retirar equipamentos da companhia de sua infraestrutura; o Reino Unido baniu a empresa de algumas partes da infraestrutura]. Mesmo que quando aconteceu, tais decisões foram tomadas, em grande medida, por coação dos Estados Unidos e encontraram forte resistência nos seus próprios países.
O governo brasileiro, por meio do ministro Ernesto Araújo, anunciou apoio à iniciativa Clean Network do Departamento de Estado dos EUA. A iniciativa, segundo o secretário de Estado Mike Pompeo, visa a “proteger os ativos das nações incluindo a privacidade dos cidadãos e a informação mais sensível de invasões agressivas de atores malignos, como o Partido Comunista Chinês”. Uma vez que o Brasil apoia a iniciativa, quais são os efeitos? [O diplomata não respondeu.]
Os Estados Unidos ofereceram financiamento às operadoras brasileiras para comprarem equipamento 5G da Ericsson e Nokia. A China oferece algum tipo de financiamento para instalação de equipamentos Huawei?
YW – China e Brasil mantêm, no setor de financiamento, uma cooperação de grande escala, vasta abrangência e ampla diversificação. Além das opções comerciais, existe, entre os dois países, um grande número de mecanismos de investimento e financiamento nos âmbitos bilateral, regional e multilateral. Podemos citar, como exemplos, a linha de crédito que a China destina à América Latina com US$ 35 bilhões, o Fundo de Cooperação Brasil-China para a Expansão da Capacidade Produtiva com US$ 20 bilhões, além dos instrumentos disponibilizados pelo Novo Banco de Desenvolvimento e pelo Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura. O lado brasileiro pode escolher a melhor alternativa de financiamento conforme suas necessidades.
Gostaria de salientar que o governo chinês nunca colocou nem jamais colocará requisitos exclusivos contra empresas de um outro país como condições para conseguir apoio financeiro. Exigimos também que os Estados Unidos deixem de abusar das medidas discriminatórias e que respeitem de fato os princípios da economia de mercado e da concorrência leal, assim como as regras que regem o comércio e os investimentos internacionais.
A Austrália baniu a Huawei do 5G e está pedindo uma investigação internacional sobre a origem do coronavírus. Neste ano, a China restringiu ou impôs tarifa sobre importações de carvão, cevada, quatro plantas de processamento de carne, abriu investigação antidumping sobre o vinho australiano e desaconselhou turismo e estudos no país. Não foi atingida a exportação de minério de ferro -a China depende da Austrália para esse fornecimento. Que ensinamento podemos tirar disso? [O diplomata não respondeu.]
Em uma perspectiva histórica, em comparação com os governos brasileiros anteriores, como é a relação da China com a administração do presidente Bolsonaro?
YW – Ao longo dos 46 anos de relações diplomáticas, o relacionamento bilateral vem amadurecendo e se consolidando. Nos últimos dois anos, a relação sino-brasileira manteve um crescimento estável. Em 2019, a troca de visitas dos dois presidentes colocou a Parceria Estratégica Global entre os dois países em um novo patamar. Ao longo de 2020, os dois chefes de Estado mantiveram o diálogo por telefone e por correspondências e alcançaram importantes consensos sobre a parceria no enfrentamento da Covid-19 e o aprofundamento da cooperação bilateral no pós-pandemia.
A China valoriza muito a amizade com o Brasil e está firme e permanentemente disposta a aprofundar as relações bilaterais. A China respeita plenamente a soberania nacional e a integridade territorial do Brasil e nunca interferiu nem interferirá nos seus assuntos internos. Os dois lados sempre se respeitaram e compreenderam um ao outro em questões de interesse vital.
Olhando para a era pós-pandemia, China e Brasil, os maiores países em desenvolvimento dos hemisférios oriental e ocidental, compartilharão cada vez mais interesses e demandas no processo de ajustamento da ordem internacional. Junto com o governo e toda a sociedade civil do Brasil, a China está disposta a levar adiante as relações bilaterais e fortalecer a comunicação em agendas como o multilateralismo e o livre comércio. Vamos trabalhar em conjunto para melhor defender a igualdade e a justiça, a ordem internacional baseada em regras, assim como os interesses comuns dos mercados emergentes e das nações em desenvolvimento.
Até 2018, o investimento externo chinês foi o que mais cresceu no Brasil. A dificuldade política com o governo brasileiro pode atrapalhar a lógica das decisões empresariais chinesas e eventualmente levar a redução no investimento? E restrições à Huawei podem levar a mudanças na lógica de investimentos no Brasil?
YW – China e Brasil são parceiros estratégicos globais. É explícita e consistente a disposição chinesa de aprofundar a confiança política com o Brasil e expandir a cooperação bilateral em todos os campos. A China é um dos principais investidores do Brasil, com um volume de aportes em rápida ascensão. Essa realidade é definida pela natureza complementar da parceria bilateral e pelas respectivas demandas de desenvolvimento. Em termos cumulativos, a China tem no Brasil um investimento de quase US$ 80 bilhões em uma ampla gama de setores como agricultura, energia e mineração, infraestrutura, telecomunicações e manufatura, criando mais de 40 mil empregos diretos.
Apesar dos impactos da pandemia, os investimentos chineses no Brasil conheceram novos avanços em 2020. Em novembro passado, um consórcio formado por empresas chinesas assinou o acordo com o governo do estado da Bahia sobre o projeto da ponte marítima Salvador-Itaparica. A obra terá um investimento de R$ 8,9 bilhões e será a maior ponte marítima da América Latina. Isso demonstra que a cooperação sino-brasileira em investimentos traz benefício para ambos os lados e tem um grande potencial, servindo como um propulsor da retomada econômica do Brasil. A China não vai fazer ingerências em nenhum país na sua escolha de parceiros do 5G. Acreditamos que o Brasil criará, com base nos fatos, regras de mercado e ambiente de negócios abertos, imparciais e não discriminatórios para todos.
O chanceler Ernesto Araújo frequentemente se refere ao coronavírus como “comunavírus”. Como o senhor vê esse posicionamento? [O diplomata não respondeu.]
O FMI prevê que a China deve encerrar o ano de 2020 com crescimento de 1,9%, enquanto a maioria dos países do mundo terá encolhimento do PIB. Qual é a explicação para essa recuperação econômica?
YW – Essa recuperação se deve, principalmente, a dois fatores. Por um lado, como o primeiro país a ser atingido pela Covid-19, a China adotou as medidas de contenção mais abrangentes, rigorosas e minuciosas, sempre valorizando o povo e sua vida. Conseguimos controlar efetivamente a propagação da doença no menor tempo possível, graças a testagem massiva e ao rastreamento do elo de transmissão. Tudo isso criou condições necessárias para a retomada de trabalho e produção, assim como a volta à normalidade da sociedade.
Por outro lado, diante das mudanças nas condições internas e externas, a China reforçou a regulação da macroeconomia e adotou políticas fiscais e monetárias que visam mitigar as dificuldades e estimular o dinamismo do mercado. Por exemplo, emitir títulos especiais do tesouro nacional para o enfrentamento da pandemia para ampliar o consumo e o investimento. Reduzir os custos operacionais das empresas, especialmente as de pequeno e médio porte, através da desoneração de encargos sociais e do fortalecimento de suportes financeiros. Aumentar o investimento para apoiar projetos essenciais para a qualidade de vida, tais como aplicações do 5G, redes de informação e veículos movidos a novas energias.
De acordo com as estatísticas, no terceiro trimestre, a economia chinesa cresceu 4,9% sobre o mesmo período do ano passado, e crescerá ainda mais no quarto trimestre, tornando a China o único país, entre as principais economias do globo, a registrar crescimento em 2020. O 14º Plano Quinquenal da China entrará em vigor em 2021. Esse plano terá como ponto principal a expansão da demanda interna, o fortalecimento da ciência e inovação e a ampliação da abertura ao exterior, construindo, assim, um novo paradigma de desenvolvimento em que a circulação doméstica será o esteio e as circulações doméstica e internacional se reforçarão mutuamente. Nos últimos 13 anos, a China respondeu, em média, por mais de 30% do crescimento da economia mundial. Seguindo esse novo conceito de crescimento, a China permanecerá como motor da economia global e criará oportunidades para o Brasil e os demais países.
Em 2020, a China absorveu 33,4 % das exportações brasileiras, diante de 29,2% em 2019, e foi responsável por 66% do nosso superávit comercial. O Brasil depende excessivamente da China, e deveria diversificar seus clientes?
YW – A pandemia atingiu duramente o comércio internacional e entre os dez principais parceiros comerciais do Brasil, a China é o único que registra crescimento no seu comércio com o país, mantendo, dessa forma, a posição de maior parceiro comercial e maior importador do Brasil por 12 anos consecutivos. Não foi fácil conseguirmos esse resultado, que não só trouxe receitas fiscais para o governo, como empregos para a sociedade e lucros para as empresas. Pode haver alguém que interprete isso como uma excessiva concentração das exportações brasileiras. Mas vejo nele a resiliência e o vigor da parceria comercial entre os dois países. A estrutura do comércio sino-brasileiro é ditada pelas vantagens comparativas dos dois países e pela oferta e procura do mercado.
Hoje, a China é o maior parceiro comercial de mais de 130 países e territórios. Isto é em parte devido à forte procura interna da China. Temos uma população de 1,4 bilhão de pessoas, entre elas uma classe média de 400 milhões. Trata-se do maior mercado consumidor do mundo. O verdadeiro desafio que temos pela frente no comércio bilateral não é que esse comércio cresça demais em volume, mas que continue sem explorar seu pleno potencial. Vale lembrar que o comércio sino-brasileiro representa apenas 2,6% do total das importações e exportações da China. Gostaríamos de ver mais produtos de qualidade e de alto valor agregado do Brasil no mercado chinês, promovendo, assim, a diversificação da pauta de exportação brasileira.
Existe uma corrente de pensamento de que o Brasil não precisa temer retaliações da China se banir a Huawei do 5G, porque a China depende da soja brasileira para sua segurança alimentar e não tem alternativas. A China tem uma dependência excessiva da soja brasileira? A China está discutindo com a Argentina aumento de produção e exportação de soja? Está desenvolvendo parcerias para aumentar a produção de grãos na África, em países com savana?
YW – No agronegócio bilateral sino-brasileiro, que é mutuamente benéfico, há uma interdependência entre produtores e consumidores de ambos os países. As exportações brasileiras de itens agropecuários para a China aumentaram mais de 34% no ano passado e foram a principal fonte do superávit do comércio exterior do Brasil. Isso indica que a parceria nesse setor é altamente complementar e ainda tem um grande potencial a explorar.
No longo prazo, a demanda por produtos agrícolas de qualidade e por alimentos processados crescerá continuamente no mercado chinês. Para assegurar um abastecimento seguro e estável de alimentos, a China tem se esforçado para aumentar a produtividade agrícola e fortalecer a capacidade de autossuficiência, ao mesmo tempo que procura diversificar a origem das importações. Com os esforços conjuntos, a parte chinesa espera promover a diversificação da pauta do comércio bilateral e construir uma parceria de agronegócio de longo prazo que traga segurança e confiabilidade. Além disso, vamos criar uma atmosfera favorável para a cooperação bilateral em vários campos e dar apoios institucionais mais propícios ao ambiente de negócios.
O que muda na ordem global após a pandemia de Covid-19 e a eleição de Joe Biden nos EUA? O impacto da pandemia na conjuntura internacional é profundo, sistêmico e de longo prazo. Atualmente, a economia mundial encontra-se em grave retração e, nesse contexto, surgiu uma contracorrente que defende o unilateralismo, o protecionismo e a desglobalização. Diante desses riscos e desafios jamais vistos, o que precisamos agora é fortalecer a união em vez de criar divisões, focar no consenso em vez de fomentar confrontos, e levar adiante a cooperação em vez de provocar o conflito. Só uma comunidade de futuro compartilhado poderá promover e proteger realmente os interesses de todos nos quesitos de segurança, saúde e desenvolvimento.
Evidentemente, o atual sistema de governança global ainda tem deficiências, mas o problema não será sanado com o simples abandono da governança e o retorno à era da “lei da selva”. Em vez disso, devemos nos engajar em reformas necessárias e consultas abrangentes a fim de reforçar a autoridade e a eficiência dos organismos multilaterais. Precisamos reduzir a divisão Norte-Sul e defender os legítimos direitos e interesses dos países em desenvolvimento e das economias emergentes.
Maiores economias do mundo e membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, China e Estados Unidos têm diferentes percursos históricos, culturas, sistemas sociais e vias de desenvolvimento, mas partilham amplos interesses comuns e um vasto espaço de cooperação. A evolução estável desse relacionamento traz benefícios aos povos dos dois países e do mundo inteiro. A política externa da China para com os Estados Unidos tem sido sempre clara e coerente. Com o espírito de não-conflito, não-confrontação, respeito mútuo e cooperação ganha-ganha, a China está disposta a trabalhar com os Estados Unidos para focar na cooperação, gerenciar as divergências e desenvolver as relações de forma sadia e estável. Com isso, podemos conduzir, de forma mais proativa, os esforços para modelar a ordem mundial no pós-pandemia e para aperfeiçoar a governança global.
O presidente eleito Joe Biden, em seu programa de governo, prevê que um de seus primeiros passos será realizar uma “cúpula global para a democracia” em seu primeiro ano de governo para confrontar países não democráticos. Em outras palavras, uma aliança anti-China. Como o senhor vê isso? [O diplomata não respondeu.]
O presidente Jair Bolsonaro afirmou no ano passado que a vacina chinesa não transmite segurança “pela sua origem”, que a Coronavac não tem “credibilidade”. A vacina Sinovac-Butantan é confiável?
YW – O governo chinês orienta os laboratórios a seguir rigorosamente padrões científicos e exigências regulatórias para desenvolver pesquisas e estudos, com o objetivo de comprovar a segurança e a eficácia das vacinas. As parcerias internacionais nesse campo também devem ser realizadas em conformidade com as normas internacionais e a legislação vigente. Vários imunizantes chineses foram testados em ensaios clínicos de fase 3 em diversos países e obtiveram resultados tão promissores que já conseguiram a aprovação do registro para o uso por autoridades sanitárias de alguns países. A China aderiu à plataforma Covax e vai honrar o compromisso de tornar as vacinas chinesas um bem público global, uma vez colocadas em uso clínico. Será a contribuição chinesa para garantir a disponibilidade e o preço acessível do imunizante nos países em desenvolvimento.
Segundo a ONU e outros órgãos, há uma política sistemática de perseguição à minoria muçulmana uigur em Xinjiang, com “desaparecimentos”, prisões e campos de reeducação. O Alto Comissariado da ONU afirmou que não conseguiu ter “acesso total” à província para poder avaliar a situação. Por que não houve esse acesso?
YW – Você deve estar se referindo às mentiras relacionadas a Xinjiang fabricadas por certos políticos dos EUA usando a plataforma da ONU. Gostaria de esclarecer que nunca houve qualquer tipo das chamadas “perseguições sistemáticas” ou “campos de reeducação” em Xinjiang. Essas afirmações sem fundamento são desculpas para que certos países ocidentais ataquem a China sob o pretexto da religião e dos direitos humanos, com o objetivo de desestabilizar Xinjiang e desacreditar a imagem da China.
Tal como o Brasil, a China é um país multiétnico e multirreligioso. A Constituição chinesa garante os direitos legítimos de todos os grupos étnicos e veta qualquer forma de discriminação étnica. Xinjiang é a maior região autônoma da China em extensão territorial e em percentagem de população de minorias étnicas. O governo central dá grande valor à estabilidade e ao progresso dessa região. Em resposta aos recorrentes casos de violência e atentados terroristas em Xinjiang nos últimos anos, foram adotadas várias iniciativas de combate ao terrorismo e desradicalização, como a abertura de centros de educação e formação profissional, com o objetivo de capacitar pessoas atingidas pelo extremismo a se reintegrarem na sociedade. Durante os quase quatro anos da implementação dessas medidas, não se registraram mais incidentes graves de violência na região. Isso não só trouxe uma melhora significativa da segurança regional, como também contribuiu de maneira notável para o combate internacional ao terrorismo.
Desde o final de 2018, mais de 1.000 pessoas de 90 nacionalidades, entre elas diplomatas, funcionários de organizações internacionais, jornalistas e figuras religiosas visitaram Xinjiang. Portanto, as questões relacionadas a Xinjiang não são do cerne étnico, religioso ou de direitos humanos, mas dizem respeito a ações contra a violência, o terrorismo e o separatismo. Certos políticos nos Estados Unidos ignoram os fatos, atacam a política do governo chinês para com Xinjiang e distorcem a situação dos direitos humanos na região. Fazem isso para desacreditar os esforços da China no combate ao terrorismo, numa tentativa de minar o direito do povo local de viver em paz. Repudiamos essa atitude. No entanto, gostaria de deixar o convite a você e aos amigos brasileiros da imprensa para ir a Xinjiang e descobrir a verdade com seus próprios olhos.
Wang Yi, ministro das relações exteriores da China, disse em maio sobre a postura mais assertiva dos diplomatas chineses: “Nós nunca começamos uma briga ou fazemos bullying, mas nós temos princípios e coragem. Nós vamos reagir a qualquer insulto deliberado para defender de forma resoluta nossa honra e dignidade nacional”. No Brasil, existe um aumento de críticas ao governo chinês e de declarações sinofóbicas. O senhor pretende continuar respondendo de forma assertiva? [O diplomata não respondeu.]
O senhor foi recebido em audiências por ministros brasileiros nos últimos 30 dias? Por quais? [O diplomata não respondeu.]
Raio-X Yang Wanming, 56
Embaixador da China no Brasil desde 2018, já foi também embaixador na Argentina (2014-2018) e no Chile (2012-2014). Nascido em Pequim, tem mestrado em economia e doutorado em direito.
Fonte: Folha de Pernambuco